quinta-feira, 24 de maio de 2018

OUTROS CONTOS

«Estória do Ladrão e do Papagaio», por Luandino Vieira.

«Estória do Ladrão e do Papagaio»
Excerto de Luandino Vieira

1157- «ESTÓRIA DO LADRÃO E PAPAGAIO»

[Excerto]

‘Pode mesmo a gente saber, com a certeza, como é um caso começou, aonde começou, por quê, pra quê, quem? Saber mesmo o que estava se passar no coração da pessoa que faz, que procura, desfaz ou estraga as conversas, as macas?

Ou tudo que passa na vida não pode-se-lhe agarrar no princípio, quando chega nesse princípio vê afinal esse mesmo princípio era também fim doutro princípio e então, se a gente segue assim, para trás ou para frente, vê que não pode partir o fio da vida, mesmo que está podre nalgum lado, ele sempre se emenda noutro sítio, cresce, desvia, foge, avança, curva, para, esconde, aparece... e digo isto, tenho minha razão.

As pessoas falam, as gentes que estão nas conversas, que sofrem os casos e as macas contam, e logo ali, ali mesmo, nessa hora em que passa qualquer confusão, cada qual fala a sua verdade e se continuam falar e discutir, a verdade começa dar fruta, no fim é mesmo uma quinda de mentiras, que a mentira é uma hora da verdade ou o contrário mesmo. 

[...] 

O fio da vida que mostra o quê, o como das conversas, mesmo que está podre não parte. Puxando-lhe, emendando-lhe, sempre a gente encontra um princípio num sítio qualquer, mesmo que esse princípio é o fim doutro princípio. Os pensamentos, na cabeça das pessoas, têm ainda de começar em qualquer parte, qualquer dia, qualquer caso. Só o que precisa é procurar saber.’ 

José Luandino Vieira

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