sábado, 19 de março de 2016

INTROSPECÇÃO

Recordando Fernando António Nogueira Pessoa...

Fernando Pessoa
O Poeta Criativo

FITO-ME FRENTE A FRENTE

Fito-me frente a frente
E conheço quem sou.
Estou louco, é evidente,
Mas que louco é que estou?

É por ser mais poeta
Que gente que sou louco?
Ou é por ter completa
A noção de ser pouco?

Não sei, mas sinto morto
O ser vivo que tenho.
Nasci como um aborto,
Salvo a hora e o tamanho.

Fernando Pessoa

Matias José
Poeta Popular

INTROSPECÇÃO

Faço introspecção
Ao ver-me no espelho,
Aceito bom conselho
De irmão pra irmão.
Abro o meu coração
Com a força da mente,
Sinto o que ele sente
E nada digo a ninguém…
Quando me convém,
«Fito-me frente a frente».

De mim pouco sabem
Passo despercebido…
Sem dar grande alarido,
Não há que me gabem.
As dúvidas acabem
Se alguma ainda restou,
Houve quem se enganou
Pensando conhecer-me…
Sou eu a contradizer-me,
«E conheço quem sou».

Acordo meio agitado
De um sono inquieto,
O sonho anda por perto
E o tempo ali parado.
Fico assim em estado
D' aflição permanente,
Penso até estar ausente
Neste mundo perdido…
Será que perdi o sentido?
«Estou louco, é evidente»!

Não é fácil descrever
Certo estado d’alma…
Se consigo, isso acalma,
A mão deixa de tremer.
O tempo passa a correr
Como vento que passou,
Nunca mais cá voltou
Assim é desde o começo…
Louco dizem que pareço,
«Mas que louco é que estou»?

O vício da poesia
Foi mais forte que eu,
Bem cedo aconteceu
Escrever o que sentia.
Versar me sucedia
De alma desperta,
A métrica era certa
Na sua profundidade…
Rimar, em boa verdade,
«É por ser mais poeta»?

Pode às vezes parecer
Exagero da minha parte…
Não é preciso ter arte
Pra me dar a conhecer.
Começo por vos dizer
Que hoje acordei mouco,
A quem isto sabe apouco
Acabei por ficar mudo…
Penso de mim, contudo,
«Que gente que sou louco»!

Não há ementa perfeita
Nem sabor que se repita…
Mesmo em papel escrita,
Sai sempre outra receita.
Dizem ser imperfeita
A mão que não acerta,
Não creio estar certa
Essa forma de pensar…
Sem razão ao afirmar,
«Ou é por ter completa»?

Pequeno grão de areia
Que coisa insignificante,
Não deixa de ser brilhante
Quando nasce a lua-cheia.
De um átomo nem meia
Partícula sou tampouco,
Questiono-me semilouco
Com todo o meu empenho…
Em resposta só obtenho
«A noção de ser pouco».

Planeio separar-me
E encontrar um fim,
Iludo-me ainda assim
Ao querer achar-me.
Se ouso escutar-me
Aceito tal conforto,
Pra chegar a bom porto
Evito o compromisso…
A viver, sem dar por isso?
«Não sei, mas sinto morto»!

Nada que sou ou fui
Muda que quer que seja,
No final pouco sobeja
Quando a vida se dilui.
A alma do corpo flui
Num último desempenho,
Não sou quem a detenho
Se de mim pensa fugir…
Com ela pretende ir
«O ser vivo que tenho».

O berço tudo me deu,
A tumba é quem o tira…
Por mais que isto fira,
Assim se estabeleceu.
Minha mãe concebeu
Pra meu desconforto,
Ao ver fiquei absorto
Com a minha imagem…
Salvo esta miragem,
«Nasci como um aborto»!

Foi num dia de Março
Que apareci no mundo…
Meu ser, antes fecundo,
Resolveu dar o passo.
Saí sem embaraço
Pra este lugar estranho,
No meio do rebanho
Senti-me deslocado…
Andei tresmalhado,
«Salvo a hora e o tamanho».

Matias José

2 comentários:

Anónimo disse...

"Quem tem alma não tem calma"
Fernando Pessoa

Bem verdade, não é?

Aprovado com distinção!

Anónimo disse...

Trabalho de grande qualidade!