sábado, 26 de outubro de 2013

OUTROS CONTOS

«Quem faz um filho...», por Orson W. Calabrese

Conto Primeiro
 «Gaditana»
Rosto de Jovem Rapariga, por Silva Porto

14- «Quem faz um filho...»

Ao ouvir cantar o chocalho do chibo velho, Gaditana começou a pôr a mesa, isto é, dispôs a gamela e as colheres de madeira, a corna das azeitonas e a pequena bilha da água sobre meio tronco de uma árvore, toscamente cortado, e suportado por quatro pés embutidos. O pequeno alpendre que servia de local para as refeições, era também a entrada para a única dependência da casa. Ainda debaixo do alpendre fervia, numa pequena panela de barro, sobre um braseiro faiscante, um cozido de cabrito com beldroegas, recentemente colhidas nas margens da ribeira que corria junto ao cabeço em que a casa se situava. Esta, de formato redondo, tinha paredes de lajes de xisto sobrepostas, argamassadas com cal e barro e tecto de junco disposto em várias camadas, suportado por  um grosso tronco de madeira, grosseiramente aparado.

«Táutalo»
Guardando o Rebanho (pormenor), por Silva Porto

Táutalo, companheiro de Gaditana, e assim chamado em homenagem a um antigo chefe lusitano, regressava a casa, ao anoitecer, com o pequeno rebanho de caprinos que constituía todos os seus bens, fazendo-se anunciar pelo badalar do chocalho do chibo. Ao lado da casa ficavam os currais do gado e a choça em que guardavam as alfaias agrícolas, pouco mais que algumas foices, um machado e uma gadanha. Este pequeno conjunto de construções, muito precárias, como se vê, situava-se num outeiro em frente de um antigo povoado, abandonado nas margens da ribeira, e que mais tarde, bastante mais tarde, viria a ser conhecido como “Castelo Velho”.
«Castelo Velho» (Povoado Milenar)
Calcolítico/Bronze Final/Idade do Ferro/Época Islâmica 

Após a ceia, mal o sol tinha desaparecido no horizonte, o jovem casal deitou-se, depois de estender algumas peles de cabra sobre um monte de folhas secas, e tapou-se com uma pesada manta de curtidas peles a fim de iludir o frio que se fazia sentir, soprado pelo vento, vindo dos lados da serra d’Ossa.

Poderia este pequeno conto ficar por aqui. Mas não fica. Se ficasse, que justificação teria o título desta narrativa? É necessário, pois, acrescentar alguma coisa mais!

Tratando-se de dois jovens, mal saídos da puberdade, em plena pujança da vida, que pelos critérios actuais nem dezoito anos teriam, a natureza forçosamente lhes pediria mais. Adoradores de Endovélico, cujo santuário se situava nas proximidades, acreditavam na fertilidade da vida e tudo faziam para que essa fertilidade se concretizasse. Mal se deitaram, sentiram-se tomados por todos os desejos próprios da sua condição.

 «Deitada de Costas»
Masturbação, por JPGalhardas

Ela, deitada de costas, com as pernas afastadas e o homem no meio delas. Olhos nos olhos. Sem palavras, mas com gestos muito carinhosos. Beijaram-se, se por acaso beijos, tal como os entendemos hoje, aconteciam nessa época. A mulher dobra as pernas e arqueia os flancos para a penetração ser mais profunda e o gozo mais completo. O acto inteiro apenas demorou alguns momentos. Momentos de plena satisfação! Foi bom para ela e foi bom para ele. E também foi bom para a Humanidade! Contribuíu, para além de tudo o resto, para a continuidade da espécie.

Várias luas depois foram agradecer a Endovélico o nascimento do seu primeiro filho. Um belo rapagão. Parido naquela mesma cama de folhas secas, sobre as macias peles de cabra.

«Agradecimento ao Deus»
Deo Endovélico Sacrum, por JPGalhardas

O agradecimento ao deus Endovélico concretizou-se no sacrifício de um cabrito e na oferta de uma lápide. Talvez uma daquelas lápides que Leite de Vasconcelos levou para Lisboa cerca de dois mil anos depois!

FIM

Orson W. Calabrese

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