segunda-feira, 23 de setembro de 2013

POESIA - ANTÓNIO RAMOS ROSA

Faleceu hoje, 23 de Setembro de 2013, o poeta português António Victor Ramos Rosa. António Ramos Rosa, como era mais conhecido, nasceu em Faro, a 17 de Outubro de 1924. Estudou na sua cidade natal, mas não terminou o ensino secundário por questões de saúde. Em 1958 publicou no jornal algarvio «A Voz de Loulé» o poema «Os Dias, Sem Matéria», e sai o seu primeiro livro com o título «O Grito Claro», da colecção de poesia «A Palavra». Ainda em 1958, inicia a publicação da revista «Cadernos do Meio-Dia», que em 1960 encerra a edição por ordem da polícia política do Estado Novo. Fez parte do «MUD Juvenil» e o seu nome foi dado à Biblioteca Municipal de Faro.
Poet'anarquista
António Ramos Rosa 
Poeta Português
SOBRE O POETA...

António Ramos Rosa nasceu em Faro no dia 17 de Outubro de 1924 e aí viveu durante a juventude, tendo-se radicado definitivamente em Lisboa, em 1962, depois de duas breves estadas na capital nos anos 40 e 50, durante as quais teve uma experiência gorada como empregado de escritório, de que é testemunho o conhecido «Poema de um Funcionário Cansado» .

Depois de, em Faro, ter recorrido às explicações como meio de subsistência, António Ramos Rosa, já em Lisboa, foi fazendo várias traduções, até se consagrar a tempo inteiro à Poesia. Por isso mesmo, daquele que escreveu «Despertei da biografia e dos relógios» (Viagem através Duma Nebulosa) se pode dizer - literalmente e em todos os sentidos - que a sua vida se confunde com a Poesia, tendo a sua (pequena) casa sido sempre um (grande) espaço informal de acolhimento e de intercâmbio - directo ou por meio de livros e correspondência - com outros poetas e leitores de poesia, tanto portugueses como estrangeiros.

Para além das muitas obras que foi publicando, a sua intensa actividade poética, crítica e ensaística foi-se disseminando, ao longo de toda a segunda metade do século XX, em projectos editoriais como as revistas de poesia Árvore, Cassiopeia eCadernos do Meio-dia (de que foi co-director), bem como em diversos jornais e revistas de que se destacam, entre outros, os suplementos literários do Diário de Notícias e d'A Capital, O Jornal de Letras e a colóquio/Letras.

A sua personalidade e obra têm merecido não só a consideração dos seus pares, como a distinção de prémios literários nacionais e internacionais (Prémio de Tradução da Fondantion de Hautvilliers (1976); Prémio do centro Português da Associação Internacional de Críticos Literários e Prémio PEN Club de Poesia (1980); Grande Prémio da Associação Portuguesa de Escritores (1980); Prémio da Bienal de Poesia de Liége (1991); Poeta Europeu da Década, atribuído pelo Collége de L'Europe (1991); Prémio Jean Malrieu (1992)).

Confirmando a importância do seu percurso literário e o rigor do seu trabalho poético, foi-lhe ainda atribuído, em 1988, o Prémio Pessoa, a que se têm associado outras condecorações, como aquelas recebidas em 1984 e 1997 - respectivamente da Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique.

Em 1999, durante os «Encontros de Outono» de Faro - Capital dos Poetas e da Poesia -, coincidindo com a comemoração dos seus setenta e cinco anos e de quase meio século de actividade poética, foi-lhe prestada uma homenagem, durante a qual se anunciou oficialmente a criação da Casa da Poesia de António Ramos Rosa, que virá a beneficiar de importante bibliografia sobra a criação poética contemporânea, reunida pelo poeta ao longo dos anos.

(Transcrito na integra de «Antologia Poética», António Ramos Rosa - Selecção, Prefácio e Bibliografia de Ana Paula Coutinho Mendes, Publicações D. Quixote.) 
Fonte: http://nescritas.com/homenagemarrosa/biografia.html

TU PENSAS QUE OS CARDEAIS

Tu pensas
que os cardeais
não se masturbam,
que não vêem
as telenovelas,
que vêem, quando muito, os filmes de Bergman
e o Evangelho segundo São Mateus de Pasolini.
Não, eles nunca lêem os livros pornográficos
e nunca pensaram em ter amantes.
Eles não conhecem o turbilhão das visões
das figuras eróticas,
eles lêem os exercícios espirituais
de Santo Inácio
e têm o odor da santidade
e irão para o céu porque nunca pecaram,
nunca acariciaram um pénis,
nunca o desejaram túmido e ardente
na sua boca casta.

Ah os cardeais como são exemplares
mesmo quando os espelhos os perseguem
com os membros e órgãos de mulheres
na fulguração da nudez liquida e candente!

Todavia eu conheço a obstinada chama
do desejo,
a sua glauca ondulação,
os seus olhos deslumbrados pela oceânica
vertigem
de um corpo embriagado pela sua simetria
e pela volúvel coerência
dos seus astros dispersos.

Não, eu não creio na inocência imaculada
dos solenes cardeais.
Eu sei que a sua carne é a mesma argila
incandescente e turva
de que o meu corpo frágil é composto.
Eles conhecem o sofrimento de ser duplos,
o vazio do desejo,
a violência nua das imagens monstruosas,
a adolescência do fogo nos labirintos negros.

Mas eu sei que os cardeais não gritam,
nem levantam a voz,
nem atravessam a fronteira do pudor
e adormecem ao rumor das orações.
É esta imagem que eu quero conservar
na religiosa monotonia do meu sono.

António Ramos Rosa

MEDIADORA DA PALAVRA

Um rumor
irrompe das nocturnas
margens. Sombras deslumbrantes.
Um fulgor que desnuda e que despoja.
Campo de água ágil. Dança

Imóvel. Uma cegueira arde
Incendiando o tempo. Pátria
áspera de delicado alento.
Soberano marulhar do inexplorável.

Unânime é a pedra. Selvagem
a palavra despedaça a língua.
Um silêncio central domina e orienta
A substancia primária. A palavra inicia.

Rapidez da água entre resíduos
obscuros. Talvez o diadema.
Talvez a obscura dança aérea.
O leve poder do fogo, as suas marcas

ácidas. Pulsação
dos poros. Ardor do silêncio
no nocturno centro. Fulgor do desejo.
Uma deusa de água espraia-se nas palavras. 

António Ramos Rosa

O DESENLACE

O Desenlace (aqui) petrificado
isto de istmo, era de hera
a qualidade em resultado absoluto.

aqui reverdecendo - o jorro e a perna
na só imagem que unifica a frase
no extremo sopro da velocidade.

- Verbo de pedra em profecia, sem
a pedra - substância, no não do sopro
que ilumina a terra no interior da terra.

António Ramos Rosa

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