sexta-feira, 10 de agosto de 2012

POETAS DO CONCELHO D' ALANDROAL

Chega esta semana ao fim a publicação do livro de décimas populares «Cantadores de Alegrias, Mágoas e Mangações», editado pela Câmara Municipal de Alandroal no ano de 1993. Recordo que foram trinta e oito os poetas que viram a sua poesia publicada nesse livro, e que aqui foram recordados de forma aleatória durante trinta e oito consecutivas publicações. Para todos os que ainda se encontram entre os vivos, daqui lhes envio um abraço de solidariedade, e para os que já não se encontram entre nós, que a sua alma descanse em paz! A todos eles o meu profundo agradecimento por estes momentos únicos em que voltei a recordar as maravilhosas décimas que se fazem no nosso concelho. Bem hajam todos!!!
Poet'anarquista

Texto explicativo das décimas populares...

TEMA: AS DÉCIMAS POPULARES? A MAGIA DA POESIA POPULAR? 
UMA LIGAÇÃO MEDIÁTICA COM OUTROS MUNDOS?

Uma ARTE MAIOR praticada por POETAS populares (sobretudo ao Sul de Portugal) a pedir um estudo sério e profundo a nível superior. É praticamente ignorada e/ou tida em menos conta em todos os níveis do ensino em Portugal, o que é de lamentar.

Entretanto, podemos considerar a DÉCIMA um pequeno prodígio de ARQUITECTURA FORMAL (da Métrica, ao Ritmo, à Rima, desde a Quadra Mote, à Glosa em quatro décimas espelhadas e de retorno a cada um dos quatro versos), como base e fundamento de uma ARTE SIMBÓLICA plurissignificativa.

A mera exigência FORMAL (a que raros eruditos se atrevem) é PRATICADA COMO EXERCÍCIO LÚDICO POR POETAS DO SUL, a maioria considerados analfabetos, por vezes em despiques ou descantes fortuitos em tabernas ou convívios sociais, pondo-a ao serviço de temas que vão desde a pura diversão, aos temas do quotidiano, à história, à crítica social ou política, até aos temas filosóficos da mais profunda sabedoria. (Beja, Abril,1996.)

Dizer uma Décima (os poetas que as dizem são conhecidos como «dezedores», entoá-la ou cantá-la, é uma arte, tanto para aquele que a diz, como para aquele que a ouve ou lê. Como arte, é algo que requer, muito de intuição e inspiração, aprendizagem e exercício.

Finalmente arriscamos afirmar que é uma Arte Superior, ou pode ser em princípio, só acessível aos que têm o dom de contactar ou ter acesso a formas de comunicação pouco comuns..., talvez uma certa magia..., algo só acessível aos deuses ou aos que podem comungar com a divindade!!! Será uma afirmação exagerada? Pouco ortodoxa? Que sai fora dos instrumentos de estudo e análise usuais? Mas quem sabe definir o que é a inspiração? O que são as «Tágides» ou as «Ninfas do Mondego» de Camões, as «musas» e os «dons» de que falam os poetas? Onde estão os donos e os mestres da Língua? E os da Poesia? É proibido inovar, ou não se deve falar daquilo que se não conhece? Arriscamos, enfim, a considerar as DÉCIMAS POPULARES como um PRODÍGIO DE ARQUITECTURA POÉTICA a exigir um prodigioso exercício de ginástica mental, praticado muitas vezes por poetas considerados analfabetos!
Texto - Professor José Rabaça Gaspar

XXXVIII DÉCIMAS

Décimas pela mão do poeta popular Dionísio António Rita, de alcunha «Cabinho Verde», nascido a 27 de Julho de 1925. Natural de Hortinhas, freguesia de São Pedro de Terena do concelho de Alandroal, foi de profissão agricultor e começou a fazer poesia contava apenas 16 anos.
Poet'anarquista
Dionísio António Rita (Cabinho Verde)
Poeta Popular

MOTE

Não precisavas de outra nação
Se tu fosses bem governado
Pela tua má orientação
Ainda te vejo desgraçado.

Glosas

Vendes mármores p'ró estrangeiro
Vendes vinho, vendes azeite
Tens vacarias a dar leite
Era para estares cheio de dinheiro.
Podias ser o primeiro
Que tens p'ra isso condição
Se fizesses mais produção
Do Algarve até ao Minho,
Governavas-te bem sozinho
Não precisavas de outra nação.

Tens muitos a querer poleiro
Todos com a ambição
Mas todos quantos p'ra lá vão
É à base do dinheiro.
Se não houvesse tanto interesseiro
Serias mais bem mandado
E não tens, pedes fiado
Aos cinquenta e aos cem,
Mas não precisavas de ninguém
Se tu fosses bem governado.

Se olhasses p'rá agricultura
E fosses mais cultivado
Não pedias nada emprestado
E tinhas tudo com mais fartura.
Fazias melhor figura
Que ninguém te dava a acção
Pedes batatas e feijão
Pedes dinheiro, pedes trigo,
Passas a vida mendigo
Pela tua má orientação.

Tens os campos cheios de mato
Muitos montes a cair
Só pensas em destruir
Tu não vês esse retrato.
Podias ter muito e barato
Se fosses bem orientado
Vives à base do fiado
De todo o lado mandas vir,
Mas se não pensas em produzir
Ainda te vejo desgraçado.

Cabinho Verde

3 comentários:

Anónimo disse...

Prezado Carlos Camões Galhardas,

Brilhante texto acabo de ler aqui sobre as Décimas portuguesas! Sim, caro, isso só pode ser pura magia, esses poetas populares tem essa extranha graça de não conhecerem o Olimpo uma vez que estão em direto contato com os deuses...

Que maravilha de décima essa de Dionísio António Rita, com essa alcunha catita "Cabinho Verdde"...

Sou fã de muita coisa boa da cultura do seu país, uma vez que, formado em Letras e Tradutor-e-intérprete, com que gosto, mergulhei em muito da nata da literatura de Portugal, de praticamente todas as escolas (paralelamente com o mesmo de meu país)

Quão sagaz é esse senhor poeta Cabinho Verde! Que sabedoria de mestre em criticar sem ser chulo, quanto a refletir essa décima aqui apresentada por vocè propicia. Ele é deliciosa e sabiamente delicado e contundente!!!

Gostei imenso de ler. São momentos que valem por um punhado de pérolas os que aqui passei, meu caro!

Concluindo, lembro que em pequeno também aqui no Brasil havia tal cultura, com o mesmo nome de décima, certamente herança de nossa pátria ancestral.

Lembro que eram vendidos em bancas de revistas livretos com as décimas. Cantavam-nas na praça principal da cidade em que nasci jovens, alguns adultos, artistas sim também aqui ditos populares, com título de "travador": cantavam décimas e trovas. Cultura que praticamente esfarelou-se no tempo...

Falo de Sul do Brasil, de onde então sou originário, e onde resido.

No Nordeste de nosso país, porém, tal cultura ainda resiste, e lá o nome de tal arte recebe o nome "Literatura de Cordel"

Percorrem as principais cidades do país alguns de tais trovadores nordestinos, e em sua região mesmo, obviamente, também cultivam a poesia de cordel.

Normalmente canta um, ou dupla, e se fazem acompanhar de um pandeiro, às vezes com acréscimo de um violão (espécie de guitarra)

Boa noite!

Anónimo disse...

Olá Carlos,

Eu desejava cororigir direto no texto. Nao vi como. Venho aqui em novo com para corrigir, pelo que me lembro, o plural de "tem" que (aqui no nosso português ao menos) escreve-se com circumflexo, então considerem lá "têm".

Salvo algum outro deslize meu de acentuação que ora não recordo, peço que leiam "trovador" onde aparece "travador"

Aproveito para, complementando meu primeiro texto, informar que as cantorias de décimas (versos do que aqui se chama literatura de cordel)executadas por nossos brasileiros nordestinos têm o nome "repente" ou "embolada" e quem então interpreta é chamado "repentista"

Boa noite!

Anónimo disse...

Muitos parabéns e obrigado pela publicação das décimas populares dos nossos poetas. Foi justíssima a homenagem aqui prestada!

Bem Haja!!!