sexta-feira, 13 de julho de 2012

POETAS DO CONCELHO D' ALANDROAL

XXXIV DÉCIMAS

Décimas populares a cargo do poeta Sebastião Inácio Grilo, nascido a 9 de Março de 1933 em Casas Novas de Mares, freguesia de Santiago Maior do concelho de Alandroal. Muito peculiares e diversificadas as profissões de Sebastião Grilo: foi mestre de vários ofícios, entre eles o de carpinteiro, mecânico, barbeiro, taberneiro, vendedor de sapatos e, acrescento eu, tocador de guitarra. Começou a fazer poesia quando contava 25 anos.
Poet'anarquista
Sebastião Inácio Grilo
Poeta Popular

MOTE

Esta guitarra foi feita
Ainda antes de eu nascer
O dia em que ela acabar
Seja depois de eu morrer.

Glosas

Pela providência nasceu
Uma bonita figueira
Toda a sua vida inteira
Tantas boas nozes deu.
Ao fim de uns anos morreu
Com uma serra foi desfeita
Deu madeira larga e estreita
Boas tábuas preciosas,
E por umas mãos habilidosas
Esta guitarra foi feita.

Obrigado ao fabricante
Senhor António Duarte
Por fazer com a sua arte
Instrumento tão importante.
Depois de feito o restante
Aos fadistas dá prazer
Tal não pôde conhecer
Em tempo mais atrasado,
Mas sei que tocava o fado
Ainda antes de eu nascer.

Já foi nova hoje é velhinha
Tem animado bons serões
E ainda faz calar multidões
Com a sua voz fagueirinha.
Considera-se avózinha
Dos que lhe estão a cantar
Quer seus netos embalar
O que fazem as boas avós,
Mas ainda se vêem sós
No dia em que ela acabar.

Quando a levo a um serão
Vê-se mesmo que vai contente
Quer abraçar toda a gente
E parece um coração.
E daqueles que tão bons são
Que querem sempre agradecer,
No mundo enquanto eu viver
Quero-a sempre estimar,
E quando o som dela acabar
Seja depois de eu morrer.

REMATE EM QUADRA...

Quem se puser a ouvir
Esta guitarra a tocar
Começa logo a sentir
Vontade para cantar.

Sebastião Grilo

2 comentários:

Anónimo disse...

Esta é uma homenagem que está em falta há muitos anos. Há quase trinta, acho eu.
Homenagem de quem escreve estas linhas.
E vai direitinha para o Mestre Sebastião Grilo e para o Ti Borges.
Um, de Santiago, o outro, de Montejuntos.
Mestre Sebastião, poeta e tocador de guitarra. O Ti Borges, poeta e cantador.
Se me é permitido alargar e contar o caso tintim por tintim, tenho que dizer que tudo aconteceu no fim de um almoço, organizado pelo Ti Figueiras, então presidente da Junta de Santiago Maior, ali num armazém agrícola, à saída da Aldeia da Venda, quando se vai para Cabeça de Carneiro. Cerca de dezena e meia de convivas que, depois da barriga atestada, se sentaram em volta do lume. Era de inverno, já se vê.
Foi então que se dedilhou o instrumento e se afinaram as gargantas. Mestre Sebastião sempre paciente com as esquisitices dos cantadores. Começou o Ti Borges com um "fado à nossa maneira" e com versos da sua própria autoria.

Devo confessar que nunca consegui arrumar dois versos, daí que sempre me causou uma enorme confusão esta coisa das décimas.

Mas desde esse almoço, nesse inverno já longínquo, fiquei a saber como se arrumam os versos nas décimas.

Fiquei contente que nem um cuco, quando Mestre Sebastião se disponibilizou para me falar da "construção das décimas".
De tal maneira contente que até tomei nota num caderninho que ainda hoje conservo (um dos muitos cadernos que eu guardo, cheios de anotações sem importância, mas importantíssimas).

Hoje, ao deparar com estas décimas, fui em busca do caderninho para fazer a comparação.

Palavras ditadas por Mestre Sebastião. Assim:

« DÉCIMAS: Combinação poética de dez versos, em que o primeiro rima com o quarto e o quinto; o segundo com o terceiro; o sexto com o sétimo e o décimo; e o oitavo com o nono. »

Parece magia!
E, se calhar, é!

Camões disse...

Não tenhas duvida, trata-se de magia popular...

POETAS DO CONCELHO D' ALANDROAL

A rubrica «Poetas do Concelho d' Alandroal» começa hoje a sua publicação neste espaço, proporcionando a leitura das décimas populares a todos os Amigos d'Arte que visitem o Poet'anarquista. Do livro de poesia «Cantadores de Alegrias, Mágoas e Mangações», editado pela Câmara Municipal de Alandroal em 1993, constam 38 poetas populares que agora vão ter os seus poemas publicados semanalmente, de forma aleatória e com uma breve nota introdutória dos mesmos. Para quem está menos familiarizado com este género de poesia, publica-se nesta 1ª edição uma nota explicativa das décimas populares a cargo do ilustre professor José Rabaça Gaspar. Boas leituras e bem-hajam os poetas do nosso concelho!
Poet'anarquista

TEMA: AS DÉCIMAS POPULARES? A MAGIA DA POESIA POPULAR?
UMA LIGAÇÃO MEDIÁTICA COM OUTROS MUNDOS?

Uma ARTE MAIOR praticada por POETAS populares (sobretudo ao Sul de Portugal) a pedir um estudo sério e profundo a nível superior. É praticamente ignorada e/ou tida em menos conta em todos os níveis do ensino em Portugal, o que é de lamentar.

Entretanto, podemos considerar a DÉCIMA um pequeno prodígio de ARQUITECTURA FORMAL (da Métrica, ao Ritmo, à Rima, desde a Quadra Mote, à Glosa em quatro décimas espelhadas e de retorno a cada um dos quatro versos), como base e fundamento de uma ARTE SIMBÓLICA plurissignificativa.

A mera exigência FORMAL (a que raros eruditos se atrevem) é PRATICADA COMO EXERCÍCIO LÚDICO POR POETAS DO SUL, a maioria considerados analfabetos, por vezes em despiques ou descantes fortuitos em tabernas ou convívios sociais, pondo-a ao serviço de temas que vão desde a pura diversão, aos temas do quotidiano, à história, à crítica social ou política, até aos temas filosóficos da mais profunda sabedoria. (Beja, Abril,1996.)

Dizer uma Décima (os poetas que as dizem são conhecidos como «dezedores», entoá-la ou cantá-la, é uma arte, tanto para aquele que a diz, como para aquele que a ouve ou lê. Como arte, é algo que requer, muito de intuição e inspiração, aprendizagem e exercício.

Finalmente arriscamos afirmar que é uma Arte Superior, ou pode ser em princípio, só acessível aos que têm o dom de contactar ou ter acesso a formas de comunicação pouco comuns..., talvez uma certa magia..., algo só acessível aos deuses ou aos que podem comungar com a divindade!!! Será uma afirmação exagerada? Pouco ortodoxa? Que sai fora dos instrumentos de estudo e análise usuais? Mas quem sabe definir o que é a inspiração? O que são as «Tágides» ou as «Ninfas do Mondego» de Camões, as «musas» e os «dons» de que falam os poetas? Onde estão os donos e os mestres da Língua? E os da Poesia? É proibido inovar, ou não se deve falar daquilo que se não conhece? Arriscamos, enfim, a considerar as DÉCIMAS POPULARES como um PRODÍGIO DE ARQUITECTURA POÉTICA a exigir um prodigioso exercício de ginástica mental, praticado muitas vezes por poetas considerados analfabetos!

Texto - Professor José Rabaça Gaspar