domingo, 15 de abril de 2012

«ENDOVÉLICO - UM DEUS LUSITANO»

Rocha da Mina
Depois da Intervenção de Julho de 2011

Manuel Calado e a Rocha da Mina
«Por Terras do Endovélico/ 2010»

Manuel Calado e a Rocha da Mina, Equinócio de 2006, como o próprio refere no final do texto. Levantem-se então os Deuses!

ENDOVÉLICO - UM DEUS LUSITANO 
Rocha da Mina: Entre a Montanha e o Abismo
Por Manuel Calado
  
O sítio arqueológico da Rocha da Mina é um monumento, um lugar de memória; nesse sentido, insere-se na categoria dos sítios arqueológicos cuja presença, mesmo que muito diminuída em relação ao original, suscita, ainda hoje, leituras complexas e provoca, no espectador, sensações fortes. Faz parte daquela categoria de obras humanas, que, tal como os monumentos megalíticos, parecem ter sido criadas para isso mesmo. São construções que proclamam, de forma inequívoca, ideias e valores fundamentais. São, em suma, santuários, lugares que, se abstrairmos dos nossos espartilhos racionalizantes, sugerem hierofanias e evocam mistérios.

A comparação com os megálitos - antas ou menires - ou com a arte rupestre é, sem dúvida, sugestiva. Têm em comum, antes de mais, o uso da pedra como elemento estruturante e primordial: a pedra como símbolo de eternidade, o material que, por natureza, transcende o tempo humano. A pedra rude, que liga, como a água, o mundo oculto das profundezas ao mundo dos homens.

Na verdade - e, até certo ponto, o megalitismo e a arte rupestre partilham também esta característica - mais do que o agenciamento humano, é a própria paisagem natural que dá corpo ao monumento. O homem não fez mais do que reconhecer essa paisagem e, de formas diversas, potenciá-la. 

Na Rocha da Mina é possível, à partida, identificar algumas das linhas de força que, de modo mais ou menos consciente, estruturaram um discurso religioso. 

Por um lado, a dialéctica entre o Céu e a Terra: de facto, o monumento localiza-se numa depressão natural, junto ao rio - situação que implica sempre as cotas mais baixas de uma determinada área - e rodeado de cabeços mais elevados que o ocultam, na paisagem envolvente. Por outro lado, os rochedos sobre os quais se construiu o santuário propriamente dito, parecem emergir das profundezas e erguer-se, na vertical, como dedos apontados ao céu. 

Note-se que a ligação simbólica ao mundo subterrâneo, remete, aparentemente, para a própria origem telúrica do deus Endovélico, manifesta na expressão ad avernum , referenciada numa das lápides dedicadas a essa divindade, em época romana. 

Esse carácter telúrico é reforçado pela presença de um pego, junto ao rochedo, onde, segundo as crenças populares, existiria uma passagem subaquática para uma cavidade subterrânea. 

As próprias estruturas construídas - as que hoje podem ainda ser apreciadas - indicam as duas direcções fundamentais: o lance de escadas, apontado ao Céu e ao topo da serra d'Ossa, o único troço do horizonte distante, visível a partir da Rocha da Mina, e o poço, penetrando no interior do rochedo e eventualmente relacionado com a prática da incubatio , sugerida pela interpretação de algumas epígrafes recolhidas no santuário romano de Endovélico. 

O santuário parece, de certa forma, constituir, metaforicamente, uma ponte entre o Céu e a Terra, entre o telúrico e o ctónico ou, noutra perspectiva, uma síntese entre os menires - virados ao Céu - e as antas ou as grutas, naturais ou artificiais, dirigidas ao mundo inferior. Um outro elemento que parece dar continuidade aos preceitos rituais da arte rupestre é precisamente a curva do rio que rodeia, em ferradura, o santuário. 

Efectivamente, o mesmo tipo de escolha está claramente patente, na região centro-alentejana, no complexo rupestre do Alqueva, cujas gravuras mais antigas remontam ao Paleolítico superior: a maior concentração de gravuras surge junto à curva mais acentuada do Guadiana, uma área que, no lado português, é designada como Moinho da Volta, enquanto o segundo maior conjunto se localiza precisamente na segunda curva mais apertada, significativamente denominada, na toponímia local, como Retorta. 

Um fenómeno semelhante ocorre, por exemplo, noutras áreas da Europa atlântica, com importantes manifestações de megalitismo e arte rupestre, com um destaque particular para o complexo megalítico de Bru Na Boyne (a Curva do Boyne), na Irlanda, onde se localiza o famoso monumento de Newgrange. 

Esta tensão entre a água e as rochas está igualmente evidente, noutras modalidades, no complexo rupestre do Tejo, em que a paisagem é fortemente marcada pelas Portas do Ródão, assim como no conjunto de arte rupestre do Baixo Guadiana, junto do Pulo do Lobo, ou ainda na própria arte do Côa, localizada num contexto geográfico muito característico, em que o rio entalhou profundas gargantas, como, por exemplo, a Canada do Inferno. 

As comparações entre a Rocha da Mina e a arte rupestre ou o megalitismo não implicam, necessariamente, qualquer vínculo de natureza histórica, traduzido na perenidade, ao longo de milhares de anos, de ideias e crenças; sem excluir este tipo de ligações, para mais num contexto de manifesta continuidade demográfica, em que os substratos culturais, mesmo que em mudança, mantêm vínculos e memórias, podemos, em alternativa, estar perante fenómenos de índole antropológica, nomeadamente a forma como, em contexto culturais absolutamente diferentes, se forjaram geografias sagradas semelhantes. 

A Rocha da Mina está cheia de mistérios. Do ponto de vista estritamente arqueológico, falta saber, por exemplo, em que época foi construído o santuário, de que forma funcionou e se relacionou com os outros sítios arqueológicos, conhecidos nas redondezas, nomeadamente com o santuário romano de S. Miguel da Mota. Por outro lado, não deixa de causar alguma estranheza o isolamento da Rocha da Mina, a Sul do Tejo, sendo certo que, mais a Norte, se conhecem bastantes exemplares da mesma família. 

Estas e outras perguntas aguardam impacientemente o arranque das investigações na Rocha da Mina que é, sem dúvida, um dos pontos altos da arqueologia regional. Entretanto, as ruínas do santuário continuarão a despoletar a imaginação e o sonho, recuperando, em cada novo romance, um lugar na nossa memória colectiva. 

Levantem-se os Deuses! 

Laranjal, no Equinócio de 2006

2 comentários:

Anónimo disse...

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«Azeitão A Nossa Terra»

Desculpe a invasão de seu espaço.
Vi seu blog e as imagens das escavações na Rocha da Minha no Alandroal.

Sou Monitor de Património e História em colaboração com o Museu Sebastião da Gama, em Azeitão.

Seria possível contar com sua colaboração numa visita que faríamos ao local ? Seria por nossa conta as despesas que houvesse, mas, seria muito bom o acompanhamento de alguém que fosse conhecedor do local, como parece ser.

Atenciosamente,

Joaquim Oliveira

Camões disse...

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Resposta a «Azeitão A Nossa Terra»

Caro Monitor:

De forma alguma considero invasão o meu espaço, ele é de todos os «Amigos d'Arte» como consta no cabeçalho do blogue Poet'anarquista.

Quanto à possibilidade de contar com colaboração para uma visita guiada, penso que veio bater a boa porta. Não por mim, embora com muito respeito e gosto pelo Património Histórico, mas sim pela minha companheira arqueóloga que está neste momento a fazer o trabalho de revisão da carta arqueológica do concelho de Alandroal. Foi ela, juntamente com um colega de Redondo, que fizeram uma intervenção na Rocha da Mina, o ano que passou.

Teremos muito gosto em partilhar convosco o nosso riquíssimo património histórico através de uma visita guiada, e sem custos acrescidos por esse facto.

Saudações,

Carlos Camões Galhardas