terça-feira, 27 de abril de 2010

Abril dos Cravos... Maio das Flores!

O Primeiro Dia


Lisboa, 1º de Maio de 1974

O POVO UNIDO

Tomada de Consciência

«Enquanto não tomarem consciência não se revoltarão, e enquanto não se revoltarem não poderão tomar consciência.»

George Orwell, in “1984”

Nos dias de hoje o poder de manifestação na rua esbateu-se profundamente perante uma sociedade cada vez mais conformada, comodista e absorta da realidade. Conformada com os direitos adquiridos em lutas anteriores, pelas gerações passadas, do 5 de Outubro ao 25 de Abril. Comodista devido a um espírito quase ‘niilista’ que se vai apoderando gradualmente da juventude actual. Absorta da realidade por forte influência de um mundo ilusório e carregado de subterfúgios que é diariamente apresentado através dos ecrãs de televisão. A manifestação na rua deixou de fazer sentido neste contexto, metamorfoseando-se numa espécie de fenómeno absurdamente anacrónico, alvo de indiferença e menosprezo generalizados. Para gáudio absoluto do sistema instituído. Pois os privilégios de alguns e as injustiças cometidas sobre outros deixam de sofrer contestação, tornando-se factos consumados sem qualquer tipo de protesto ou reivindicação.

Os meios de comunicação convencionais, dos jornais às televisões, conferem uma importância cada vez menor a manifestações cívicas, sobretudo se não estiverem envoltas num clima de polémica e de suspeição, garantias de boas audiências, com os correspondentes dividendos em publicidade. O que contribui decisivamente para um desinteresse geral dos cidadãos perante o seu próprio direito cívico de manifestação, protesto e reivindicação. Para quê protestar se ninguém nos vê? Para quê reivindicar se ninguém nos ouve? Parece que já não vale a pena. As pessoas são desencorajadas a tomar atitudes críticas desde a juventude. A diferença é sempre punida, a independência nunca é recompensada. Estamos a formar mentes adormecidas e conformadas. Pessoas incapazes de sugerir sequer um caminho diferente, uma alternativa. Uma espécie de rebanho bem-comportado, facilmente manipulável. Vivemos praticamente, em suma, no mundo vaticinado por George Orwell na obra “1984”.

Neste sentido, hoje em dia toda e qualquer manifestação cívica é preponderante para contrariar o caminho forçado por onde nos querem levar contra a nossa vontade. O caminho que mais interessa aos privilegiados que preenchem as restritas esferas do poder. Os que nunca atravessam dificuldades, à custa da miséria de muitos outros. Mais do que um direito, a manifestação na rua torna-se num dever cívico de cada cidadão. E no 1º de Maio, um dia de solidariedade internacional de todos os trabalhadores do mundo, mais do que nunca, as pessoas devem sair para a rua e elevar a sua voz, demonstrar que existem, reivindicar o cumprimento dos seus direitos. Tomar consciência da revolta que necessitam urgentemente de empreender. “Pelo pão, pelo trabalho e pela paz!”

VAMOS LÁ FAZER UM GRANDE 1º MAIO!

O Dia do Trabalhador foi pela primeira vez assinalado, em múltiplos países em simultâneo, inclusive em Portugal, no 1º de Maio de 1890.

Cumprindo prontamente a orientação que havia emanado dos dois Congressos Operários de Paris, realizados no ano anterior, o operariado português também saiu às ruas nesse dia, reclamando a redução da jornada de trabalho. A iniciativa foi conduzida pela Associação dos Trabalhadores da Região Portuguesa.

A partir dessa data, o 1º Maio nunca mais deixou de ser comemorado como dia da solidariedade internacional de todos os trabalhadores.

HISTÓRIA E MOTOR DE PROFUNDAS TRANSFORMAÇÕES

Maio tem sido, ao longo dos anos, sinónimo de liberdade e motor de profundas transformações sociais e políticas: País onde não se comemore o 1º de Maio é país oprimido, com um povo reprimido.

O princípio deste movimento internacionalista está ligado a acontecimentos bem trágicos, ocorridos quatro anos antes, no dia 4 de Maio de 1886, em Chicago, EUA.

Os operários da cidade, encontrando-se em greve geral desde o dia 1 de Maio do mesmo ano pela jornada de oito horas, realizam um comício sindical na praça Haymaiket, perante uma forte presença policial.

O ambiente está carregado de tensão e ansiedade. A provocação está preparada. Uma bomba explode. A confusão instala-se. As forças policiais disparam sobre a multidão, em pânico. São feitas prisões em massa. Oito dos detidos são transformados em bodes expiatórios, através dum processo judicial viciado e manipulado que termina com a condenação à morte por enforcamento de todos eles.

Os mártires proletários têm nome: August Spies, Albert Parsons, Adolph Fischer, Samuel Fielden, Georges Engel, Michael Schwarb, Óscar Neeb e Louis Ling.

Quando uma instância superior vem, tarde demais e por força dos protestos da sociedade americana, reparar a injustiça de que os operários tinham sido vítimas, quatro deles já haviam sido enforcados: Parsons, Spies, Engel e Fischer. Ling, na véspera da execução, suicidou-se com uma vela de dinamite. As penas de Fielden e Schwarb foram comutadas em prisão perpétua e a de Neeb em 15 anos.

Apesar da repressão, 50 mil dos operários em greve conquistaram imediatamente o dia de oito horas, enquanto que outros 200 mil conseguiram reduções menos significativas.

O exemplo dos operários de Chicago galvanizou os trabalhadores do mundo inteiro.

A partir daí, os trabalhadores ganharam o direito de intervir no estabelecimento dos seus horários de trabalho e consciencializaram-se da importância decisiva da sua unidade e da solidariedade internacionalista na luta pela emancipação e dignificação de quem trabalha.

UMA HISTÓRIA TAMBÉM PORTUGUESA, CONCERTEZA!

Em Portugal, o movimento sindical e laboral foi-se reforçando até ao derrube da Monarquia e a instauração da República. Com o novo regime político, algumas câmaras municipais decretaram o 1º de Maio como feriado oficial. A luta pela jornada de oito horas recrudesceu, o que levou a que ela fosse consagrada em 1919 para os trabalhadores da indústria e do comércio.

Sete anos depois, com o golpe militar do 28 Maio de 1926, as liberdades fundamentais são suprimidas e fascizados os sindicatos. O 1º de Maio é proibido e as iniciativas que os trabalhadores, um pouco por todo o lado, tentam concretizar são alvo da mais feroz repressão policial. Por essa razão, a jornada do 1º de Maio alia, crescentemente, a luta pelo Pão, pela Paz e pela Liberdade à contestação do regime.

Na longa noite fascista, o 1º de Maio de 1962 fica a constituir um raio de luminosa esperança. Nesse dia, em Lisboa, Porto, Setúbal e outras localidades, dezenas de milhares de pessoas saem à rua, protestando contra a falta de liberdades, contra a miséria e contra a guerra colonial que eclodira no ano anterior e que havia de vitimar e mutilar milhares e milhares de jovens trabalhadores.

Também nesta altura cerca de 200 mil assalariados rurais do Alentejo e do Ribatejo entram em greve, conseguindo, desta maneira, impor aos latifundiários e ao fascismo a jornada de oito horas. Punha-se fim, finalmente, ao trabalho de sol a sol.

O edifício da ditadura estremece, mas há-de demorar mais uma dúzia de anos a ruir.

Disso se encarrega, em boa hora, o Movimento das Forças Armadas que, interpretando os anseios de liberdade, democracia e justiça social do povo, toma em mãos o derrube do fascismo e devolve as liberdades aos portugueses.

O acto corajoso, cometido pelos dos jovens oficiais das Forças Armadas em 25 de Abril de 1974, é inequivocamente referendado pelos trabalhadores e pelo povo portugues, cinco dias depois, nas grandiosas manifestações do 1º de Maio. Foi o fim do corporativismo e a consagração, de facto, da liberdade sindical no nosso país.

1º DE MAIO 74: DO GOLPE À REVOLUÇÃO CONFIRMADA

O 1º de Maio de 1974 impulsionou uma dinâmica revolucionária que conduziu a profundas transformações políticas, económicas, sociais e culturais. Desencadeou, pode dizer-se, um processo verdadeiramente revolucionário, responsável por um período de desenvolvimento social e humano ímpar no nosso país.

Por isso o 1º de Maio precisa da máxima participação! Precisa de todos, porque os objectivos são de todos. Do mais Jovem que ainda estuda, ao trabalhador com contrato a termo, do trabalhador mais velho ou já reformado, à investigadora, ao funcionário público, à trabalhadora discriminada, da desempregada menos activa a quem, alem do trabalho, ocupa tempo e dedicação a causas comuns, a associações, a movimentos sociais…

TODOS TEMOS DE FAZER UM ENORMÍSSIMO 1º DE MAIO DE 2010 PARA GANHAR O FUTURO!

Fonte: % attac Portugal

domingo, 25 de abril de 2010

Poesia de Abril


Vinte E Cinco De Abril De 1974
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Vinte E Cinco De Abril De 2010


Abril Dos Cravos


Abril dos vermelhos cravos libertado…

Devolves-te a esperança quase perdida,

A um povo que jazia amordaçado

Numa pátria muito esquecida!


Abril das palavras que se soltaram

Nos corações que pareciam não bater;

Ao mundo inteiro bem alto gritaram

Tudo quanto era preciso não esquecer!


Abril de revolução das nossas gentes…

Enchendo as ruas com abraços fraternos!

Muitos sorrisos… Tantos olhares contentes,

Momentos que sempre nos serão eternos!


Abril! Pode ser outro mês qualquer…

De amor intenso e fraternidade.

Abril será quando um homem quiser…

Amar em cada instante a liberdade !!


Matias José

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Revolução dos Cravos V

"Os Vampiros" de Zeca Afonso assentam que nem uma luva na realidade portuguesa do ano de 2010. Os valores essenciais de dignidade humana ainda não foram cumpridos!

Poet'anarquista

Vampiros

José Afonso

Composição: José Afonso

No céu cinzento sob o astro mudo
Batendo as asas Pela noite calada
Vêm em bandos Com pés veludo
Chupar o sangue Fresco da manada

Se alguém se engana com seu ar sisudo
E lhes franqueia As portas à chegada
Eles comem tudo Eles comem tudo
Eles comem tudo E não deixam nada [Bis]

A toda a parte Chegam os vampiros
Poisam nos prédios Poisam nas calçadas
Trazem no ventre Despojos antigos
Mas nada os prende Às vidas acabadas

São os mordomos Do universo todo
Senhores à força Mandadores sem lei
Enchem as tulhas Bebem vinho novo
Dançam a ronda No pinhal do rei

Eles comem tudo Eles comem tudo
Eles comem tudo E não deixam nada

No chão do medo Tombam os vencidos
Ouvem-se os gritos Na noite abafada
Jazem nos fossos Vítimas dum credo
E não se esgota O sangue da manada

Se alguém se engana Com seu ar sisudo
E lhe franqueia As portas à chegada
Eles comem tudo Eles comem tudo
Eles comem tudo E não deixam nada

Eles comem tudo Eles comem tudo
Eles comem tudo E não deixam nada

José Afonso

Revolução dos Cravos IV

FP-25: As armas depois dos cravos

A primeira acção foi há 30 anos. No Portugal pacífico actual, voltamos atrás na bolha do tempo e perguntamos o que pensam os protagonistas deste episódio da História nacional.

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«Era uma tarde de sábado, de chuva miudinha, igual a tantas outras. Gaspar Castelo-Branco tinha amigos para jantar e faltava-lhe o queijo. À primeira aberta, já ao cair da noite, resolve dar uma saltada ao comerciante da zona. Saiu, por uns minutos. Foi morto com um tiro na nuca, disparado à queima-roupa, no passeio em frente à casa onde morava».
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A descrição é contada por José Teles, no jornal «O Semanário», em 1986, e reproduzida em 2008, na Internet, no blogue "31 da armada" por Manuel Castelo-Branco, no dia em que fazia 22 anos da morte do pai.

Gaspar Castelo-Branco era o director-geral dos Serviços Prisionais e foi assassinado a 15 de Fevereiro de 1986.

Gobern Lopes, um dos fundadores das FP-25 e o primeiro a assumir-se em julgamento como membro da organização, confessa, à Lusa, que os meios justificam os fins «naquele contexto» e «não tem que se arrepender».

Manuel e Gobern têm papéis diferentes, lados opostos, mas os dois são parte deste retrato de Portugal. Voltemos atrás na bolha do tempo e contemos as histórias desta História de Portugal.

Em 1980, Portugal vivia há seis anos em democracia, conquistada por uma revolução pacífica. A 20 de Abril nascem as Forças Populares 25 de Abril, as FP-25. Surgem passado um mês da criação da Força de Unidade Popular (FUP), uma organização política de extrema-esquerda, da qual as FP-25 se tornariam braço armado.

As FP-25 anunciam-se com um estrondoso rebentamento de petardos pelo país e com a distribuição do «Manifesto ao Povo Trabalhador», que instava ao «derrube do regime, instauração da ditadura do proletariado e criação de um exército popular» para implantação do socialismo.

Estava assim dado o tiro de partida. Logo a 5 de Maio deu-se a primeira acção, com o homicídio de um militar da GNR em Mogadouro e o assalto aos bancos Totta e Açores e Caixa de Crédito e Providência, no Cacém. Entre 1980 e 1987, as FP-25 foram responsáveis por 17 assassinatos, 66 atentados à bomba.E, ainda, 99 assaltos.

Otelo, Capitão de Abril

Otelo Saraiva de Carvalho

Otelo, o rosto que nunca deu a cara pelas FP-25

As polícias, juntas na Operação Orion, ditaram o princípio do fim das FP-25 com o desmantelamento da rede armada que começou com uma rusga à sede da FUP, em 19 de Junho de 1984. Otelo viria a ser preso um dia depois e condenado a 15 anos de prisão em 1987.

Martinho de Almeida Cruz foi o juiz e o carrasco dos operacionais das FP-25.

A história havia de dar outra volta e, em 1989, Otelo Saraiva de Carvalho é libertado. Sete anos depois, chega a amnistia para os presos das Forças Populares 25 de Abril, aprovada pela Assembleia da República e assinada pela mão de Mário Soares, então presidente da República.

Que lição tirou a sociedade e a História? O sociólogo Manuel Villaverde Cabral explica à Lusa que «não é mais do que um fenómeno histórico expectável, uma agonia».

Manuel publicou a fotografia do pai com a legenda «foi decidido esquecê-lo». O amargo das palavras escritas continuam a ouvir-se na boca do filho. Em entrevista à agência Lusa, Manuel, o homem de hoje, à data adolescente,acusa: «A sociedade e o poder político fizeram sempre tudo para esquecer as vítimas do grupo terrorista».

Gobern Lopes foi condenado a 20 anos, mas só esteve preso durante cinco. As barbas brancas não lhe retiram o ar revolucionário mas trouxeram a moderação. Reconhece que a partir de determinado momento, a organização andou depressa de mais. «As organizações armadas têm um problema, que é todos estão armados. Quando se esgotam os caminhos da razão, quais é que ficam?»

Por: Redacção /CF

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Revolução dos Cravos III

25 de Abril: "A revolução adiada"




Em 25 de Abril de 1974, um golpe militar poria fim a 48 anos de fascismo, num país completamente dilacerado pela guerra, pela crise económica e o baixo nível de desenvolvimento. Quando o movimento dos capitães levou a cabo o golpe de 25 de Abril, a Junta de Salvação Nacional dirigida pelo general Spínola não tinha qualquer projecto de descolonização, não pretendia extinguir a PIDE e muito menos que o poder caísse na rua ou houvesse nacionalizações nos principais sectores económicos. Pretendia apenas acabar com uma guerra colonial para a qual já não havia solução militar, sem todavia conceder a independência das colónias, e introduzir uma tímida democratização do país.

Mas, poucas horas depois do início do golpe militar, a população sai à rua, ignorando os apelos dos militares do MFA para que todos ficassem dentro de suas casas, e transforma o golpe numa verdadeira revolução. De imediato, o ódio contra a ditadura mostrou-se. A sede da PIDE é cercada por manifestantes, por toda a Lisboa desencadeiam-se manifestações populares e estudantis, e nos dias a seguir cercam-se as prisões políticas (Caxias) e exige-se a liberdade dos presos políticos. Logo a partir de Maio, explodem greves no sector metalúrgico, transportes, indústria corticeira, sector naval e genericamente em empresas com forte componente de capital estrangeiro. As reivindicações essenciais são o pagamento de horas-extras, 30 dias de férias pagas, redução do horário de trabalho, fixação do salário mínimo em 6 000$00 e aumento generalizado de ordenados.

A revolução está na rua e o seu carácter operário e popular evidencia-se. O MFA nomeia uma Junta de Salvação Nacional, composta por altas patentes (Generais, Almirantes) e presidida por Spínola, que de imediato estabelece contactos com as principais organizações da oposição (o PCP e o PS) para as integrarem num governo provisório que retomasse o controlo e travasse a mobilização das massas. E foi neste contexto que se viu o PCP (e o seu jornal Avante) a fazerem campanha contra os trabalhadores em greve por estes supostamente “estarem ao serviço da reacção fascista”.

Nos meses que se seguiram, assistiu-se a um permanente enfrentamento entre o movimento revolucionário das massas e o I governo provisório MFA/PCP/PS/PPD, cujo primeiro-ministro era Palma Carlos (um spinolista convicto). Este enfrentamento foi vitorioso para as massas e Palma Carlos demite-se afirmando que não tem condições para governar por que o poder “continua nas ruas”, sendo substituído por Vasco Gonçalves (que reflecte um reforço dos sectores anti-spinolistas dentro do MFA) num governo que já procura maior negociação com as reivindicações populares.

O 28 de Setembro

Dentro deste processo a grande burguesia sobrevive e os seus projectos de uma solução política através de um sistema presidencialista são apoiados pela ala militar “spinolista”, que tinha o seu candidato “natural” (que desde o 25 de Abril era ovacionado pelas populações que juntavam os seus “vivas” a Cunhal, Soares e Spínola, sem que, até aí, o PCP e o PS se tivessem demarcado desta figura da direita-militar).

Perante a situação cada vez mais radicalizada, a extrema-direita prepara para dia 28 de Setembro, uma grande manifestação em Lisboa em nome da “maioria silenciosa”, que afirma representar, e acaba por contar com o apoio do CDS (partido que, na época acoitava os políticos sobreviventes da ditadura, e era dirigido pelo então “jovem” Freitas do Amaral), e com a não oposição do PPD (partido que teve origem na ala desenvolvimentista da Acção Nacional Popular, o partido da ditadura na época marcelista).

A esquerda reage e apela às massas que se mobilizem. Em vários locais os trabalhadores e os populares, respondendo aos apelos da Intersindical, do PCP e de várias outras organização de esquerda, saem às ruas e montam barricadas nos acessos a Lisboa. A manifestação acaba por ser desconvocada e abre-se nova crise no governo.

Derrotada mais esta tentativa de saída presidencialista sob a figura de Spínola, a grande burguesia sai de novo enfraquecida no terreno político e na correlação de forças dentro do MFA, onde os sectores representantes da pequena-burguesia e as posições mais de “esquerda” ganham terreno. É assim que Spínola é afastado e substituído por Costa Gomes, um general mais “moderado” e favorável a uma solução mais negociada com os partidos que integram o governo provisório (PCP/PS/PPD).

Novo ascenso das lutas sociais

A derrota da direita a 28 de Setembro deu ainda mais força à classe trabalhadora e à revolução. As grandes ocupações de terras, casas e empresas começam.

Na frente política, o PS consegue um dos seus objectivos fundamentais: em Novembro de 1974 é publicada a Lei Eleitoral, que assegura a realização das eleições, uma das garantias que Mário Soares pretendia obter do presidente Costa Gomes. Na frente sindical, o PCP opõe-se ao PS, ganhando provisoriamente a batalha em torno da questão da unicidade sindical.

O MFA procura controlar o processo revolucionário e institucionaliza-se como estrutura basilar da construção da “democracia e do socialismo”, com base num pacto feito com os principais partidos (entre eles o PCP, o PS e o PPD) que aceitam a tutela do MFA como chefia dos governos, quaisquer que sejam os resultados das eleições para a Assembleia Constituinte. Este pacto MFA/Partidos teve a oposição de alguns grupos revolucionários (entre eles o PRT, antecessor histórico do Ruptura/FER) que não aceitavam a tutela militar condicionante da liberdade de expressão política das massas e da sua luta pela organização de um poder e governo operário e popular.

O 11 de Março

A grande burguesia, apesar da derrota sofrida no 28 de Setembro, não havia desistido de manter o seu poder económico e político. Falhada a tentativa política de uma saída presidencialista, em desespero pelo avanço da revolução, a grande burguesia dá o seu apoio a uma saída militar e prepara um golpe apoiado na alta oficialidade mais reaccionária, apoiante do general Spínola, os quais ainda controlam diversas unidades militares, por todo o país.

Com base numa suposta “matança” que os oficias de esquerda estariam a preparar contra oficiais spinolistas (e que se provou nunca ter existido), os sectores spinolistas organizaram o golpe e iniciam, a 11 de Março de 1975, um ataque aéreo ao RALIS, unidade simbólica da chamada “esquerda militar”.

Mas o golpe fracassaria porque, aos primeiros sinais de estar em curso uma operação militar, logo milhares de populares, estudantes e operários da cintura industrial de Lisboa se dirigiram para junto de todos os quartéis impedindo que as unidades militares pró-golpe saíssem e levando a que os soldados destas unidades se posicionassem contra os seus comandos (caso emblemático foi o caso da unidade dos Comandos da Amadora).

Derrotado o golpe, nesse mesmo dia, Spínola e seus principais comandos roubam helicópteros militares e fogem para Espanha, onde estabeleceram centros de apoio à contra-revolução e organizaram grupos bombistas que vieram a intervir por diversas vezes contra militantes e organizações de esquerda dentro do território português.

As nacionalizações

A derrota do golpe deu novo impulso à revolução, sendo exigida a punição de todos os golpistas e das forças politicas e económicas que os apoiavam. A grande burguesia inicia a sua fuga do país e alguns dos seus representantes envolvidos no golpe de 11 de Março foram detidos.

Perante o eminente descalabro económico, e respondendo à poderosa manifestação dos trabalhadores bancários que entretanto ocuparam os principais bancos, o recém-criado Conselho da Revolução (substituto da extinta Junta de Salvação Nacional cuja maioria spinolista estava implicada no 11 de Março) composto pela oficialidade mais influenciada pela esquerda dá o seu aval à nacionalização da banca (a 14 de Março de 1975). Com esta nacionalização dos bancos, e por estes serem os proprietários de grupos económicos, existe uma nacionalização, por arrastamento, dos muitos sectores económicos.

A par destas nacionalizações, nos meses a seguir regista-se uma mobilização generalizada de sectores populares com ocupações de casas e organização de moradores, dos camponeses com um avanço nas ocupações de herdades e constituição de UCPs (Unidades Colectivas de Produção) tornando metade dos campos do país em zona de Reforma Agrária, dos trabalhadores com a formação de Comissões de Trabalhadores em milhares de empresas, e deu-se um importante dado novo na revolução portuguesa: nos quartéis instituiu-se um funcionamento democrático com as Assembleias de Unidades que debatiam e decidiam o que fazer, abalando a cadeia de comando hierárquico do exército burguês.

As eleições para a Constituinte e o “Verão Quente”

As eleições para a Constituinte de Abril de 1975 viriam a legitimar o PS como partido mais votado, seguido do PPD e do PCP a bem maior distância. O PS consegue, assim, o objectivo de mostrar que tinha apoio nas ruas, e sobretudo que tinha muito mais apoio do que o PCP, nas urnas.

O resultado eleitoral não refreou o ímpeto revolucionário das massas, pois as greves e ocupações continuaram. O 1º de Maio de 1975, com um milhão de manifestantes, dá origem a uma confrontação entre representantes do PCP e da Intersindical e o PS. Tentam impedir que Mário Soares se dirija à tribuna, mas são mais tarde obrigados a recuar. Dois projectos enfrentaram-se até Novembro: o do PS (apoiado por uma ala militar com Melo Antunes à cabeça), que defendia a via parlamentar para parar a revolução; e o do PCP (também apoiado pela ala militar de Vasco Gonçalves e Rosa Coutinho), que perspectivava o reforço do MFA no governo para garantir o controlo do processo na “metrópole” e encaminhar a independência das colónias no sentido da sua subordinação à política de Moscovo.

Atrás destes dois projectos foram-se alinhando outros sectores: a burguesia e os partidos da direita (e mesmo a extrema direita bombista) colocaram-se em aliança com o projecto do PS; vários sectores da esquerda militar e uma parte da chamada extrema-esquerda aliaram-se ao PCP, integrando a FUP (Frente de Unidade Popular, que congregava PCP, MDP, MES, FSP, LUAR e LCI). Mas a dinâmica e mobilização da revolução rapidamente colocou esta unidade numa via mais radicalizada, e o PCP abandonou a FUP, que se transforma, então, em FUR, mas que, no entanto, mantém o seu apoio ao V Governo (MFA/Vasco Gonçalves/PCP) conservando-se com os seus apoiantes de extrema-esquerda.

Rumores constantes de golpes e contra-golpes assolam o país. A ala moderada dos militares organiza-se em torno do Grupo dos Nove e prepara uma intervenção a nível de governo. O governo de Vasco Gonçalves é demitido por Costa Gomes e substituído pelo VI Governo com Pinheiro de Azevedo à cabeça e apoiado na aliança PS/PPD. Organizando-se para enfrentar a revolução em curso.

Mas a mobilização dos trabalhadores e dos soldados continua. Uma poderosa greve dos trabalhadores da construção civil, acompanhada de manifestação, cerca São Bento, a Assembleia Constituinte, com 80 000 operários a manterem os deputados encerrados no edifício mais de 24 horas a fio. O governo de Pinheiro de Azevedo diz não ter condições para governar e entra “em greve”. A crise política é total e, entre os militares, uma parte apoiada no sector PS/Melo Antunes prepara o que viria a ser o golpe de 25 de Novembro, encabeçado por Ramalho Eanes, e que daria início ao processo de desmonte da revolução.

O 25 de Novembro

Novembro de 1975 viria a ser o mês onde se concretizaram parcialmente os projectos que antes se enfrentaram. Em 11 de Novembro, Angola torna-se formalmente independente com o MPLA no governo, e na esfera de influência da então URSS (uma vitória do projecto PCP), e no dia 25 de Novembro dá-se em Portugal a vitória do sector militar favorável ao projecto PS (apoiado pela direita e pela burguesia). Novembro de 1975 marca o encerramento de uma revolução que podia ter mudado sistema em Portugal e abalado a Europa.

A confiança e ilusões no MFA, mantidas pela maioria das organizações de esquerda, com particular destaque para o PCP, e a falta de uma organização revolucionária com influência de massas que apresentasse um programa e proposta de organização nacional dos diversos organismo de poder de base popular (comissões de trabalhadores, UCP’s, moradores, comissões de soldados e marinheiros) para disputar o governo do país, foram dois aspectos que impossibilitaram uma vitória revolucionária.

O golpe do 25 de Novembro viria, no essencial, a institucionalizar a democracia formal que hoje temos; a alternância entre PS e PSD, com o PCP a funcionar durante duas décadas como a oposição parlamentar remetido para a lógica da disputa eleitoral, e no movimento social mantendo o controle dos sindicatos.

PCP feriu de morte o processo revolucionário. PS desferiu-lhe o golpe mortal

Um aspecto essencial que deve ser referido é que as direcções do PCP e do PS, apoiados maioritariamente pelas massas, enfrentaram a sua mobilização revolucionária para a desmobilizar. Basicamente colaram-se ao aparelho das Forças Armadas, uma estrutura socialmente privilegiada e com uma tradição hierárquica rígida e de obediência ao poder político.

O PCP desde sempre se opôs a tudo o que não conseguia controlar. Veja-se a oposição que manifestou a numerosas greves e ocupações, bem como as manobras que tentou empreender para controlar o pouco que faltava da comunicação social (caso do jornal República).

Vários historiadores e ex-dirigentes do PCP vieram mais tarde refutar a tese de que o PCP queria tomar o poder em Portugal. Tinham razão. Uma análise mais cuidada aponta para uma postura de travagem desde o início do processo revolucionário.

O PS chega a 1974 como um partido mal organizado e fraco em efectivos. A sua estratégia de grande partido da esquerda social-democrata passaria inevitavelmente por ganhar tempo, tentando competir progressivamente com o PCP, e garantir a realização de eleições, terreno em que a situação lhe seria sempre mais favorável.

As restantes organizações de esquerda aliaram-se no essencial à política do PCP de apoio a facções militares ditas de esquerda, e manifestaram uma incapacidade de propor uma saída revolucionária para o processo. Após o PREC, partidos importantes como o MES, FSP e PRP-BR desapareceram ou tornaram-se residuais.

Muitos analistas e historiadores tentam colocar Portugal como estando confrontado com duas saídas: a democracia formal de hoje ou a via estalinista de sociedade caso o PCP tivesse tomado o poder. A verdade é que a revolução de Abril poderia ter tomado outros rumos e seguido uma alternativa diferente dessas duas.

O que sabemos hoje é que, a despeito das grandes conquistas do 25 de Abril – a liberdade e a melhoria do nível de vida para a maioria da população –, a contra-revolução democrática, organizada pela burguesia e pelo PS, com o apoio do PCP a partir de Novembro de 1975, acabou por derrotar a revolução socialista que os trabalhadores, os camponeses e os jovens começaram a construir a partir de Abril de 1975 em Portugal.

Fonte: Ruptura/ FER